ISSN 2526-1681
Na última quinta-feira (15/12/2016), a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, durante julgamento do Recurso Especial nº. 1.640,084-SP, de relatoria do Ministro Ribeiro Dantas, decidiu, em ação penal de crimes de roubo, resistência e desacato, pelo afastamento deste último sob o fundamento de incompatibilidade do tipo penal com norma internacional da qual o Brasil é signatário.
O crime de desacato é previsto no art. 331 do Código Penal, que tipifica a conduta de “desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”, cominando pena de seis meses a dois anos de detenção, ou multa, ao infrator.
Para o relator, a manutenção do “desacato” como crime seria incompatível com a Convenção Americana de Direitos Humanos, pois afrontaria o art. 13 do aludido diploma normativo, que protege a liberdade de expressão e pensamento.
Segundo o ministro, “O art. 2, c/c o art. 29, da Convenção Americana de Direitos Humanos prevê a adoção, pelos Estados Partes, de ‘medidas legislativas ou de outra natureza‘, visando à solução de antinomias normativas que possam suprimir ou limitar o efetivo exercício de direitos e liberdades fundamentais” – grifo do autor.
Desse modo, para o relator, sabendo-se que os tratados de direitos humanos, ratificados no Brasil, têm força supralegal, deve-se aplicar a Convenção Americana de Direitos Humanos em detrimento do tipo previsto no Código Penal, com o objetivo de afastar a incidência do crime de desacato ao caso julgado, uma vez que a norma internacional é ampliativa do exercício do direito fundamental à liberdade.
Ressaltou o ministro que não se cuida de hipótese de revogação parcial do Código Penal no que tange ao crime de desacato, mas apenas de invalidade do tipo para compatibilização com a norma internacional
Para o relator, “a existência de tal normativo [desacato] em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela CF/88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos”.
Ainda, “a punição do uso de linguagem e atitudes ofensivas contra agentes estatais é medida capaz de fazer com que as pessoas se abstenham de usufruir do direito à liberdade de expressão, por temor de sanções penais, sendo esta uma das razões pelas quais a CIDH estabeleceu a recomendação de que os países aderentes ao Pacto de São José abolissem suas respectivas leis de desacato”, ressaltou o ministro.
Suscitou o magistrado, também, que “o afastamento da tipificação criminal do desacato não impede a responsabilização ulterior, civil ou até mesmo de outra figura típica penal (calúnia, injúria, difamação etc), pela ocorrência de abuso na expressão verbal ou gestual ofensiva, utilizada perante o funcionário público”.
CONHEÇA O RECURSO ESPECIAL MOVIDO PARA AFASTAR O DESACATO
O Recurso Especial nº. 1.640.084-SP foi interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que manteve sentença condenatória de um réu por crimes de roubo, resistência e desacato.
No caso, o recorrente, réu na ação penal, teria: subtraído para si, mediante grave ameaça exercida com emprego de um vergalhão de ferro, uma garrafa de conhaque; desacatado com gestos e palavras dois policiais militares no exercício de suas funções públicas e se oposto à execução de ato legal, consistente em sua abordagem e detenção, mediante o emprego de grave ameaça e violência exercida contra os militares.
Acolhida a tese do recorrente de violação do art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos, o recurso especial foi conhecido em parte e afastada sua condenação pelo delito de desacato, pois incompatível com a dita norma internacional.
SOBRE A CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
Celebrada em San José, na Costa Rica, no dia 22 de novembro de 1969, e recepcionada no Brasil pelo Decreto nº. 678 de 6 de novembro de 1992, que a promulgou, a Convenção Americana de Direitos Humanos é conhecida pelos operadores do Direito como “Pacto de São José da Costa Rica”.
Referida norma, assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, reconheceu, em seu art. 13, o direito de liberdade de pensamento e de expressão, incondicionado a censura prévia ou restrição, excetuadas a propaganda a favor da guerra e a apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.
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